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junho 14, 2015

DESMERECIDA


DESMERECIDA
(Rogério Camargo)

Era uma flor tão simples, coitadinha,
que até nem merecia, lá pensava,
com seus botões, enquanto abotoava
a timidez com que de longe vinha,

nem merecia o olhar de quem notava
presença dela longe da rainha,
da rosa esplendorosa que reinava
feito o jardim nada além dela tinha.

Era uma flor que se acanhava inteira
e se do sol não toda se escondia
era porque morrer não gostaria.

Passei por ela e, não por brincadeira,
sorri-lhe o que melhor sorrir consigo,
que é quando o lá de fora está comigo.

ANDORINHAS


ANDORINHAS
(Jenário de Fátima)

Quando em criança, lembro das tardinhas
e da cor rubra, de tantos ocasos.
Bem lá no centro das lembranças minhas
(...E ai me enchem d’água os olhos rasos!)

me vem o voo sutil das andorinhas,
que ao frenesi do seus bater de asas,
cruzavam céus em sinuosas linhas,
fazendo evoluções no vão das casas.

Recordo ainda o que mamãe dizia;
- São Andorinhas, aves benfazejas,
Deus as fez só pra alegrar Maria

quando iam brincar com Jesus menino.
Por isso hoje vivem nas igrejas
nas altas torres onde bate o sino.

Caricaturas


Caricaturas
(Jenário de Fátima)

Quantas noites de sono nós perdemos,
revendo o velho filme, as mesmas cenas,
lamentando falhas grandes, e as pequenas
lamentando os muitos erros que tivemos.

Dos delitos de amor que cometemos,
a vida vem e nos cobra, duras penas
nos condenando a máscaras apenas,
caricaturas do que já vivemos.

Mas o que passou passou e não tem jeito
o amor ficou guardado na saudade.
guardado como um nó, dentro do peito.

E sempre ao resgatá-lo, em seus desterros,
juramos junto a toda santidade,
de não mais cometer os mesmos erros!

junho 13, 2015

Nós


Nós
(Guilherme de Almeida)

Quando as folhas caírem nos caminhos,
ao sentimentalismo do sol poente,
nós dois iremos vagarosamente,
de braços dados, como dois velhinhos,

e que dirá de nós toda essa gente,
quando passarmos mudos e juntinhos?
- "Como se amaram esses coitadinhos!
como ela vai, como ele vai contente!"

E por onde eu passar e tu passares,
hão de seguir-nos todos os olhares
e debruçar-se as flores nos barrancos...

E por nós, na tristeza do sol posto,
hão de falar as rugas do meu rosto
hão de falar os teus cabelos brancos.

SONHO ANDARILHO


SONHO ANDARILHO
(Afonso Estebanez)

O sonho é o andarilho da memória
e minha alma é apenas sua estrada
onde o amor recomeça a trajetória
por atalhos de acesso sem entrada.

Nem sempre há personagem numa história.
Nem sempre uma lembrança é relembrada.
Mas quase nunca o pesadelo é uma aurora
para alguns sonhos dissipados na alvorada.

Ai de mim, tua rota de lembrança...
Ai de ti, meu roteiro de esperança
remida pelo olhar dos passarinhos...

Contorno os rios tortos e consulto o mapa
para chegar, inda que morto, àquela etapa
onde morrer seja melhor em teus carinhos...

maio 13, 2015

Os rios


Os rios

Magoados, ao crepúsculo dormente,
Ora em rebojos galopantes, ora
Em desmaios de pena e de demora,
Rios, chorais amarguradamente,

Desejais regressar... Mas, leito em fora,
Correis... E misturais pela corrente
Um desejo e uma angústia, entre a nascente
De onde vindes, e a foz que vos devora.

Sofreis da pressa, e, a um tempo, da lembrança...
Pois no vosso clamor, que a sombra invade,
No vosso pranto, que no mar se lança,

Rios tristes! agita-se a ansiedade
De todos os que vivem de esperança,
De todos os que morrem de saudade...

Olavo Bilac
In ‘Tarde’ (1919)

Em todos os jardins

Em todos os jardins

Em todos os jardins hei-de florir,
Em todos beberei a lua cheia,
Quando enfim no meu fim eu possuir
Todas as praias onde o mar ondeia.

Um dia serei eu o mar e a areia,
A tudo quanto existe me hei-de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abraço que um dia há-de abrir.

Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta
Conhecido por mim como num beijo.

Então serei o ritmo das paisagens,
A secreta abundância dessa festa
Que eu via prometida nas imagens.

Sophia de Mello Breyner
(1919-2004)

abril 30, 2015

SAUDADE


SAUDADE
(Bernardina Vilar)

Saudade é a imagem das recordações...
De luz acesa, crepitante chama
Que aquece a alma e gera evocações
E sem querer o desengano engana.

Saudade é um verso feito de emoções...
Acre perfume que a doçura emana
Torpor que entrando em nossos corações
Quanto mais embriaga, mais inflama...

Doce abandono... Ausência merencória...
De um passado distante a viva história
Que em nós conserva uma lembrança pura.

Saudade é o silvo agudo de um lamento
Que escutamos no perpassar do tempo
Como sendo delícia e amargura.

abril 24, 2015

ETERNA CHUVA


ETERNA CHUVA

Chove lá fora e a chuva apaga a poeira
Da minha estrada que não tem mais fim!
Seria bom que pela vida inteira
Essa chuva caísse sobre mim!

Sinto que a minha estrada sem palmeira,
Deserta, vasta e prolongada assim,
Impulsiona a minha alma sem canseira,
Para o mundo esquisito do senfim!

E eu marcho resoluto para a frente!
Cai-me a chuva nos ombros, de repente
Eu mais apresso a minha caminhada!

E assim prossigo nesse sonho eterno,
Sob a sentença de um constante inverno,
Sem promessas de sol na minha estrada!

Jansen Filho
In: Obras Completas

Soneto de Fidelidade


Soneto de Fidelidade
(Vinicius de Moraes)

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius de Moraes,
in "Antologia Poética"